Relatos da vida do Mixtusinho II na Serra

Noite quente por terras de Canas de Senhorim, noite para amar e conceber um fruto desse amor. A janela está fechada, ao vento não será dado asas para fazer rachas no rebento… será menino na certa para ajudar o pai na lavoura e cultivo das terras e andar à frente da Boneca quando se lavrar a vinha da Póvoa…
Ao
chegar à fazenda com o rebanho.
-
Deu positivo.
-
O que isso significa?
-
Estou grávida…
-
Muitos Parabéns… e não chores ou melhor chora, podes chorar por alegria.
Enquanto
se trata do vivo do campo e das lides pois há um milho para recolher é dada a
notícia ao Mixtusinho I:
-
Oh Pai! Estavas sempre a dizer que aqui por casa estragava-se sempre comida,
agora com um mano já não se estragará comida.
A
mãe escolherá o primeiro nome e eu e o campeão escolheremos o segundo. O rapaz
inclina-se para Afonso (anda a dar na escola a dinastia Afonsina) e eu o nome
do progenitor. Mas se for menina, pergunta se queremos um nome de rebelde ou de
princesinha, Matilde se princesinha (ainda na memória os reis e as suas consortes:
Matilde, 1ª rainha de Portugal).
A Tia da mamã, Júlia, deu uma manta em memória
da bisavó Encarnação. Esta bisavó tinha dado uma manta à primeira bisneta e
pediu à filha se ela não estivesse nos nascimentos dos bisnetos, que a Júlia o
fizesse em nome dela.
De
bicicleta, a velha pasteleira que me acompanha há muitos anos nas minhas
viagens, fomos à primeira consulta pré-natal, senha nº 10.
A
enfermeira: - Nome do Pai?
-
Claudi… do meu pai ou do pai do bebé?
-
Do bebé!
-
Mixtu.
Primeira
ecografia, porque a aldeia não tem estes meios fomos os 3, ou melhor, os quatro
de táxi até à cidade.
Pergunta
a mamã: - É jeitosinha?
Jeitosinha?
É mais jeitosinho!!! Mas não quero comprometer-me…
-
Está agitado, é um reguila! E olhando para o irmão: - Este vai-te dar trabalho.
O
Mixtusinho I sorria, aliás esteve sempre a sorrir.
A pastora foi ao centro de saúde e a médica que atendeu perguntou-lhe se ela queria saber
o sexo do bebé:
- Sem certezas, porque está com as pernas fletidas
e de lado mas parece-me uma menina!
Será
que vem aí uma Eva (nome escolhido pela mamã se fosse menina)? Mas tenho a
certeza que a janela estava cerrada.
Pensamos
no Serafim. Falta cá o avô paterno para tirar qualquer dúvida pois ele nunca
falhou nos seus prognósticos.
Mas,
mais tarde noutra ecografia ficamos com a certeza que vinha aí um Mixtusinho II.
Diz a licenciada em medicina:
É
um acrobata, olhem ele a agarrar com a mão um dos pés, a fazer yoga!
Antes
o Reguila, e agora com o Cognome “Acrobata”!
Diz
a mamã à saída do Centro de Saúde: - Só sabes fazer meninos!
A
barriguinha da mamã já há muito se nota, uma das clientes do mercado onde a mãe
vai vender o excedente que se cultiva e o queijo:
- Ah! Mas você não anda sozinha?!
Os
avós maternos deram Mil Reis para o enxoval do nascituro, a juntar a uma
roupinha comprada em terras longínquas e por oferendas de outras pessoas, o segundo
na hereditariedade do rebanho não passará frio no rigoroso inverno da Serra da
Estrela.
No
último mês o Terrível acordava por volta das 7h30m, na certa sabe que por essa
hora as ovelhas têm de ser ordenhadas para serem levadas ao pasto na Serra.
O
primeiro natal é passado na casa da avó paterna que por ser tão formosa
deram-lhe como graça, Florinda que lhe dá como primeira prenda uma gaita de
beiços… a serra terá mais um pastor, desta vez um pastor músico para dar som aos
poemas do pai.